domingo, 17 de agosto de 2008

Gestão à moda indígena

Ambientalista por opção, o empresário Eduardo Bagnoli mostra que é possível empreender com sucesso sem desrespeitar a natureza e a cultura local

Kátia Simões

Concebido com o propósito de respeitar o meio ambiente e a qualidade de vida, quando o tema ainda era restrito à academia, o Manary Praia Hotel, localizado em Natal e comandado pelo empresário Eduardo Bagnoli, 53 anos, foi planejado para ser um espelho do Nordeste desde a pré-história até os tempos atuais. E o conceito se reflete na arquitetura de espírito colonial, na decoração, que esbanja fotos e reproduções de desenhos encontrados em sítios arqueológicos do Nordeste; na gastronomia, que combina pratos regionais com a culinária refinada internacional, e até na trilha sonora. Para se ter uma idéia, o restaurante da piscina é uma réplica das ocas indígenas erguidas com troncos e folhas de carnaúba, e o acesso é feito através de uma cópia fiel da porta de entrada da igreja da Sé, em Olinda. “Cada detalhe foi cuidadosamente pensado, a fim de que o hotel fosse único”, diz Bagnoli. “Não é à toa que desde o primeiro ano passamos a integrar o Roteiro de Charme, sendo o primeiro estabelecimento do estado a constar na lista”.

Geólogo de formação, Bagnoli por 18 anos foi funcionário da Petrobras. Pela empresa, cruzou o país fazendo pesquisa e ajudou a comandar seu primeiro departamento de proteção ambiental. A preservação da natureza virou uma proposta de vida. O empresário idealizou e colocou em prática um projeto de estudo, conservação e uso sustentável com base no turismo do Sítio Arqueológico do Lajedo de Soledade, projeto que em 2000 recebeu o Prêmio Ambiental von Martius.O sonho de criar um hotel de alto nível, que não provocasse impacto ao meio ambiente e reverenciasse a cultura local começou a ser desenhado ainda nos tempos da Petrobras, quando o casal se instalou em Natal, há mais de 20 anos. “Em 1995, depois de vender oito imóveis para concretizar o novo negócio, nos tornamos o primeiro hotel da Praia de Ponta Negra a investir em energia solar, quando o bairro não tinha ruas asfaltadas”, afirma Bagnoli. “Gente do ramo chegou a preconizar que não duraríamos um ano, mas o Manary foi lucrativo desde o início.”

Com um faturamento médio mensal de R$ 360.000, 44 funcionários, o Manary tem sua própria cartilha de gestão construída em anos de aprendizado, segundo o empresário. A ordem é priorizar a transparência das operações, a divisão de lucros entre os empregados, o serviço de qualidade, a repaginação freqüente dos espaços, o treinamento da mão-de-obra e o respeito à cultura local. Assim o hotel mantém uma média de ocupação de 75% ao longo do ano, acima dos números locais. Para driblar os períodos de baixa, quando o movimento chega a cair 40%, Bagnoli cria pacotes especiais para os turistas potiguares, intensifica a recepção de grupos estrangeiros e sedia eventos corportativos.

Aprendizado diário
Mas, segundo o empresário, o treinamento da mão-de-obra foi certamente o seu maior desafio, e também sua maior conquista. “Depois de quebrar muito a cabeça, perder funcionários no meio do expediente por explodir e chamar a atenção em alto e bom som, eu decidi pesquisar porque os potiguares são tão diferentes”, declara Bagnoli. “A resposta estava na cultura local.” Descendentes dos índios tapuias, eles não valorizam a figura do chefe, ninguém manda em ninguém. Segundo o empresário, para boa parte dos nativos do Rio Grande do Norte ser repreendido aos gritos e em público é uma afronta que dinheiro nenhum paga. “Bronca, só se for na equipe toda, caso contrário, você corre o risco de perder o seu melhor funcionário”, declara Bagnoli. Diante dessa realidade, ele afirma que é mais fácil e vantajoso para o empreendedor estudar o ambiente e as pessoas e tirar proveito dos ensinamentos que eles têm a oferecer, a insistir em impor o seu próprio comportamento. “O básico é entender que aqui as pessoas privilegiam o lazer sobre o acúmulo de bens”, afirma. “Diferentemente de São Paulo, onde as pessoas se matam de trabalhar para poder curtir os fins de semana, aqui se vive todo dia”. Segundo Bagnoli, a maioria dos habitantes locais reserva algumas horas de todos os dias da semana para alguma atividade que lhes dê prazer. Assim, não precisam esperar até o sábado ou as férias para se desestressar. Fazem disso uma prioridade do seu dia-a-dia. “Este é um ensinamento muito grande, mas de difícil assimilação por quem é de fora, ou tem uma equipe para gerenciar”, diz o dono do Manary. “Porém, foi só quando aprendemos a respeitar as individualidades e a entender que processo de qualidade total só funciona com a devida tradução para a cultura local, que o hotel deslanchou e nos tornamos referência na área gestão de pessoas”. Hoje, Bagnoli garante que sua mão-de-obra é disputada pela qualidade de seus serviços, embora o turn over seja baixo. “Conseguimos atingir um ponto de equilíbrio no qual cada um de nossos funcionários atue com a maior naturalidade e nordestinidade possível”, diz. “Sem as afetações, posturas e trejeitos que normalmente são aprendidos na sala de aula, mas não são verdadeiramente assimilados, pois estão em desacordo com a forte cultura local”.

E ele parece que pôs em prática a teoria pesquisada. Quem hoje vê esse neto de italianos – seu avô foi um dos fundadores do tradicional colégio paulistano Dante Alighieri – de sandálias, bermuda e muito à vontade pelas areias de Ponta Negra, acredita que Bagnoli nunca levou outra vida. “Tudo isso é uma questão de aprendizado”, diz. “Nasci e cresci com o um paulistano típico, acelerado, preocupado com os horários, irritado com o trânsito. Hoje sou diferente”.

Fluente em cinco idiomas e com o passaporte carimbado em 53 países, Bagnoli usa as viagens como laboratório, extraindo o que os hotéis tem de melhor para contribuir para o crescimento do Manary. “Todo ano fazemos uma viagem pelo mundo e privilegiamos destinos e hotéis que possam contribuir com idéias para manter o nosso hotel atualizado e sintonizado com as tendências da área”, declara. O resultado é a indicação do Manary nos principais guias de turismo do Brasil e do exterior, entre eles, o Michelin Voyagers Pratique, além do Prêmio de Qualidade Hoteleira, Social e Ambiental, atribuído pela Associação Roteiros de Charme em 2007. “Tudo indica que estamos no caminho certo”.

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